terça-feira, 19 de julho de 2011

Dias de Glória – Cap. I

Oi, pessoal!

Estou reabrindo (mais uma vez) este blog para dar a vocês uma provinha do material que eu escrevi em parceria com a Manie (PE-DRI-NHA) há alguns anos. Como deu na telha revisá-lo e finalizar como livro num período ainda indeterminado, começo postando o primeiro capítulo e me deixo à disposição para novas ideias e sugestões para a continuação da história. A sequencia de fatos condiz com o que pode ser imaginado? As interrelações textuais são coerentes? Existe algo que poderia ter sido comentado a respeito dos temas que abordei?

Um abraço para todos e dessa vez prometo mantê-los atualizados das novidades.


"Dias de Bordon."

Quando notou as manchas no chão, que com o passar dos minutos preenchiam-se pouco a pouco, até não sobrar pedaço algum de espaço seco no asfalto, Elizabeth bufou. Era março e a temporada de tempestades tropicais no Rio de Janeiro já fazia supor que o céu desabaria a qualquer momento sobre a cabeça dos cariocas. Com a chuva incessante, morros vinham abaixo, formando corredeiras de água que lavavam tudo que estivesse no caminho. Havia duas semanas que o mal tempo instalara-se. Elizabeth Bordon, somente Eliza para os próximos, observou tranquilamente pela janela de seu carro a orla da praia, onde o fluxo do trânsito estacionava sua paciência ao lado dos motores desligados dos automóveis.

Era um pós-carnaval rotineiro. E durante um ano ela e sua companhia percorreram o país apresentando o espetáculo final de sua carreira estelar. Aclamada por um público fiel, Eliza firmou-se nos palcos há anos, o que resultou numa quantia confortável de casas, carros e roupas. Mesmo com esse somatório de valores, o que não podia se calcular era o prestígio erguido durante sua passagem pela televisão, onde obteve fama com papéis consagrados nas telenovelas.

Certo momento durante a enxurrada, ela pôde notar uma senhora tentando atravessar para o outro lado da pista, em meio aos motoristas furiosos, palavrões e buzinas escandalosas. Na calçada, viu um homem quase escorregar e esborrachar-se no chão, porém agarrou-se ao poste e à sorte, e salvou-se daquela situação úmida.

Eliza sabia que não seria fácil chegar ao teatro a tempo de marcar as falas com o resto do grupo. Passado alguns minutos no engarrafamento, olhou mais uma vez para o porta-luvas do carro, curiosa. De lá, retirou um envelope. Trazido pela camareira do hotel em que se hospedara, o pacotinho bem lacrado expunha em seu verso um "B" gorducho, do seu sobrenome Bordon. Lembrava-se de que o envelope havia sido encaminhado por um jovem fã, ansioso em mandar o presente para a atriz.

- Deixe-me recordar, senhora... Mais de um metro e meio, moreno, devia ter por volta de dez anos ou mais. Ele até que tinha boa aparência, mas não se parecia nada com os meninos que vejo por aqui – respondeu ela, fazendo referência aos hóspedes endinheirados do hotel.

Por alguns segundos, assim que Eliza voltou à realidade, começou ouvir as buzinas histéricas atrás de si, já que a cor verde no sinal de trânsito estava para mudar em poucos segundos, bem ali na sua frente. Com o fluxo desobstruído, acelerou.


****


As portas do Teatro espalhavam cartazes e faixas do espetáculo que havia rodado pelas principais capitais do país. "Dias de Glória" representava a mais popular ficção-policial escrita para aquele momento. Elizabeth Bordon era Glória, uma jovem pobre que se aproveita de várias situações do cotidiano para melhorar de vida. Despercebidamente ela engana pessoas de sua cidade, muda de nome e potencializa suas ambições através de pequenos golpes. Ao assassinar um homem e levar à prisão um inocente, mete-se em problemas e estabelece ao seu redor um jogo perigoso de mentiras e verdades. Com uma trama intensa e eufórica, Glória engana não apenas a todos envolvidos na sua história, mas como também o público observador do Teatro, pois, uma vez que a mentora do roteiro, Elizabeth Bordon, renova seu final a cada nova temporada, o potencial de previsão de finais diminui, aguçando a curiosidade da platéia. Por isso aquela noite seria magnífica, porque Eliza havia bolado tudo novamente e apresentaria um conceito novo da peça para encerrar a temporada e por um ponto final em "Dias de Glória".

Após estacionar seu carro na vaga privativa do teatro e pegar o elevador até os bastidores, Eliza caminhou até seu camarim a fim de relaxar.

Horas após passar pela maquiadora, cabeleireira e vestir-se de Glória, Eliza sentou-se em sua poltrona e começou a repassar o texto daquela noite. Glória era o tipo de personagem que já estava na pele dela. Nenhum papel fez com que se identificasse tanto quanto esta. Glória tinha coragem para continuar e não olhar para trás, tinha fibra para tomar decisões e se manter de pé. Tinha a frieza de uma psicopata.

Eliza ouviu duas batidas pesadas na porta. Pediu que entrassem. Ao girar a maçaneta surgiu um senhor alto, de quase sessenta anos de idade, com um grosso bigode escuro, cabelos penteados, portando um casacão surrado. O assessor de Eliza, Arthur Palhares entrou pela porta do camarim furioso, esbaforido e completamente vermelho, como se seus olhos fossem saltar do rosto.

Eliza fez um sinal gentil com as mãos, enquanto queimava um cigarro em seus lábios.

Ignorando qualquer tipo de gentileza, Arthur Palhares manteve o olhar de reprovação.

- Mas o que deu em você, Eliza?

- Eu é que lhe pergunto Palhares – disse ela surpresa. – Posso saber por que você entrou aqui gritando e esbravejando dessa maneira?

- Por quê? Olhe só isso então, espertinha! – Palhares jogou no colo de Eliza uma página de um jornal meio amassado. Leitura de impressos não era do costume de Eliza, que considerava o veículo ultrapassado e duvidoso. A página em questão exibia uma foto ampliada, em que Eliza dançava ao lado de um rapaz, e o título dizia: "Dias de Bordon".

Eliza repassou o periódico para Arthur, enquanto ele a encarava aguardando uma resposta da atriz. Conhecido como um dos empresários mais controladores quando se tratava de exibir o melhor lado de Elizabeth, Arthur Palhares não admitia nada que ferisse o que ele construira. Eliza, ao contrário, afirmava que lidava muito bem com seu trabalho.

- Mas o que você esperava Palhares? Afinal, eu estou de volta à minha cidade.

- Muitas pessoas estão envolvidas para tudo ocorrer como o esperado e não podemos admitir suas criancices! Você... - disse ele, bravejando - Você faz idéia de quantas garotas da sua idade gostariam de interpretar a Glória? E mesmo assim concordei e consegui que você representasse o papel.

- Nada mais justo, afinal, toda a idéia e o texto são meus – alfinetou ela. - E eu ainda sou muito talentosa, Palhares, você sabe disso. Caso contrário não estaria ainda comigo nesse negócio, não é mesmo?

Arthur Palhares sabia que era verdade. Eliza, além de muito bonita, tinha talento de sobra e mesmo com dezenas de concorrentes à Glória ninguém poderia fazer melhor que ela.

- Mas de qualquer forma, essa é sua última apresentação, Eliza. Tudo tem que correr como o combinado, está bem?

- Não se preocupe Arthur. O texto está decorado; o cenário montado; e a platéia praticamente encheu a casa – apaziguou Eliza. – E afinal, o que de mal poderia nos acontecer? – concluiu ela alegremente, sorrindo.

- Nunca se sabe Eliza... Nunca se sabe... – e balançando os braços em busca de resposta, Arthur Palhares saiu do camarim e fechou a porta pesadamente atrás de si.

Faltava menos de uma hora para o início do espetáculo. A jovem Bordon sentou-se em sua cadeira giratória em frente ao espelho, abriu a gaveta e de lá tirou o envelope pardo. Poderia ser o roteiro daquela noite, poderia ser uma carta de um parente, mas não. Era o mesmo envelope que ela evitou abrir no carro. De alguma forma, Eliza queria conhecer aquele pequeno fã. Isso poderia lhe animar ainda mais a alma para apresentar, no seu mais bom humor, a peça. Elizabeth não costumava distribuir autógrafos, consciente do seu papel como atriz. Considerava-os uma representação infeliz da imagem do artista.

A urgência não despertara no momento sua curiosidade. Como Eliza sempre dizia, todo fã torna seu presente importante e urgente. Decidiu por fim abrir a tal carta, que foi rasgada pela lateral onde era mais fácil de não danificá-la. Eliza puxou uma pequena folha dobrada ao meio e, então, pôs seus olhos sobre ela e começou a leitura. A caligrafia era a mesma caprichada do envelope, bem alinhada e delicada.


"Elizabeth, quem lhe escreve é um amigo. Sua vida corre perigo e você precisa tomar cuidado com quem está à sua volta. É um aviso. Fuja o mais cedo possível dessa cidade. Tome cuidado, por que de quem falo não hesitará em lhe fazer o mal. Eu juro."

E foi assim que a carta terminou.

Eliza ficou ali parada, sem ação. Que tipo de amigo lhe escreveria algo assim? E mesmo se fosse verdade, quem haveria de fazer mal a ela? Cartas anônimas são para se levar a sério? Ela já ouvira falar de casos idênticos àquele, porém eles existiam nos livros que lera quando mais jovem. Estaria alguém brincando com seu humor? Mesmo com toda negação que ela responderia àquelas questões, Eliza sabia que corria um grave risco. Eliza sabia que alguém sabia.

Elizabeth Bordon olhava para o seu reflexo no espelho. Sua expressão não demonstrava mais a tranquilidade de antes... Durante os trinta minutos seguintes, tentou não pensar em tal hipótese engoliu aquilo como uma situação mal intencionada. Porém, o destino provaria o inverso.

2 comentário:

Joéliton Santos disse...

Olá!!!
Como está? Espero que bem!
Gostei da postagem, viu! Voltarei mais vezes com calma para conferir tudo!

Grande abraÇoOooO!!!!

Pauline Suarez disse...

Oie Tadeu!
Gostei do primeiro capítulo e estou ansiosa para ler o próximo!

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